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Entrevista: Rhany Mercês

A ex-aluna entrevistada deste mês é a transexual e militante pelos direitos da população LGBTQI+, Rhany Mercês. Ela participou do curso “Introdução à Gestão e Produção Cultural”, realizado em 2019, pelo Observatório da Diversidade Cultural, em Belo Horizonte (MG).

Rhany possui curso técnico em Meio Ambiente e Sustentabilidade pelo Centro Educacional Conceição Ferreira Nunes (Cecon) e está cursando Serviço Social pela Universidade Estácio de Sá.

Durante oito anos, atuou como educadora social no Aglomerado Morro das Pedras, na região oeste de Belo Horizonte, ensinando dança e colaborando com projetos de incentivo à arte e à cultura dentro da comunidade. Além disso, foi estagiária na Diretoria de Políticas para a População LGBT da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de BH.

Atualmente, é coordenadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), no estado de Minas Gerais, que tem a finalidade de combater o racismo transfóbico, através do desenvolvimento e apoio a projetos de inclusão.

ODC – Como foi sua experiência de formação no curso do ODC? Como o curso a ajudou em seu trabalho?

Rhany A minha experiência foi muito boa! Eu tive um período bastante cansativo, estava estudando, estagiando e fazendo eventos LGBT, mas consegui aprender muito com o curso e pude levar muito do que foi passado em sala de aula para a prática, ao mesmo tempo. O conteúdo do curso me ajudou muito na organização de eventos pré e pós Parada [do Orgulho LGBT], Encontrão Estadual de Negras e Negros LGBTs, realizado pela Rede Afro LGBT, da qual faço parte, e também me ajudou a me organizar melhor para trabalhar como produtora em eventos comerciais grandes realizados na esplanada do Mineirão. Tudo isso me abriu portas para atuar como produtora de bloco no carnaval de BH, em 2019, pela Belotur (Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte).

ODC – Em uma pesquisa divulgada em 2018, pela ONG austríaca Transgender Europe (TGEU), o Brasil está em primeiro lugar, entre 72 países, no ranking de assassinatos de transexuais. Além disso, segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) publicado em janeiro de 2020, no país, a violência direta no dia a dia das pessoas trans aumentou consideravelmente no último ano. Você percebe os reflexos desses dados no seu cotidiano? Quais são as dificuldades que você enfrenta atualmente por ser mulher transexual no Brasil?

Rhany Sinto sim! Todas as pessoas transexuais sentem o reflexo dessa violência no dia a dia, porque ela não afeta somente as pessoas transexuais e travestis, afeta todas as pessoas do seu ciclo de convívio. Esse genocídio de pessoas transgêneras já faz parte da transfobia estrutural da sociedade brasileira desde sempre, junto com racismo e machismo. Isso é muito perceptível no meu cotidiano em pequenas questões, como direitos básicos. Eu, por mais que tenha curso técnico em Meio Ambiente, esteja me graduando em Serviço Social e tenha diversos cursos profissionalizantes, nunca consigo preencher o perfil para uma vaga no mercado de trabalho que não seja um sub-emprego. Por mais que eu estude, a sociedade vê pessoas como eu de uma forma subalternizada. Estou desempregada e sempre que vou buscar um emprego não consigo nada além de faxina e serviços gerais. Não que haja problema em trabalhar com isso, mas é uma forma de violência uma pessoa se capacitar tanto e não ter oportunidade para ser sequer uma atendente, recepcionista.

Quanto à violência física, já perdi amigas, pessoas conhecidas para a violência e minha mãe é constantemente confrontada e julgada por me aceitar e conviver comigo. Quando tenho um companheiro, ele é constantemente hostilizado por namorar uma transexual. Já fui atacada na rua por simplesmente passar no local em que estavam pessoas que achavam que eu não devia estar ali. Já me jogaram pedra e saco de lixo na cabeça na comunidade onde moro, o Aglomerado do Morro das Pedras, mas soube impor meu respeito sem violência e através de um trabalho social bem feito e humanizado na favela, e hoje sou muito respeitada e ponto de referência da comunidade.
Os preconceituosos têm que entender que a violência não se limita à pessoa transexual; há todo um ciclo de amigos, parentes e outros que convivem com essa pessoa que irão sofrer junto. O país precisa de leis que estimulem a redução dessa violência urgentemente.

ODC – Qual a importância da presença de mulheres negras transexuais na militância pelos direitos LGBTQI+? A mulher negra transexual sofre mais preconceitos e violências que as brancas?

Rhany – Com toda certeza é muito importante ter mulheres transexuais negras na militância. Infelizmente, com o preconceito interseccional, que é um acúmulo ou cruzamento de características que levam as pessoas a sofrerem preconceito, mulheres, transexuais e negros têm muita dificuldade de militar porque vivemos em um país onde a garantia de sobrevivência dessas pessoas é mais difícil. Mas, quando podem e têm disposição e psique para militar, essas pessoas devem ocupar os espaços para que esses corpos não continuem invisibilizados.

ODC – Tendo trabalhado como educadora social no Morro das Pedras, como você avalia a realidade da população trans brasileira nas comunidades, vilas e favelas?

Rhany – A favela é um espaço de grande vulnerabilidade, mas também é um espaço rico cultural e socialmente falando. Se as travestis e transexuais de favela continuam esquecidas até pelo próprio movimento LGBT, imagine pelo poder público. Vejo muitas pessoas “T” [transexuais, travestis e transgêneros] de favela que são exemplo de luta e resistência em uma realidade que lhes impulsiona ao extermínio e apagamento. Mas essas pessoas resistem e precisam ter um pouco mais de acesso a políticas públicas e atenção do movimento LGBT, que ainda é dominado por homens, brancos, cis e com privilégios. Belo Horizonte é um exemplo claro dessa predominância masculina e higienizada no movimento.

ODC – A partir de sua experiência como DJ em eventos, de que modo você vê na arte uma ferramenta de inclusão para as pessoas transexuais?

Rhany – Vejo como um caminho de inclusão e visibilidade. É muito bom ver a reação das pessoas quando elas notam que tem uma DJ transexual negra tocando na festa delas. Nem sempre é uma boa reação, mas hoje em dia, em sua maioria, sou bem recebida e tratada. Por incrível que pareça, eu toco mais em eventos héteros que em LGBTs. Produtoras e outras artistas que conheço e estão “na praça” ainda passam por dificuldades de serem incluídas e de terem espaço para mostrar sua arte, assim como eu. Mas, quando têm oportunidade, elas brilham.

Precisamos apenas de oportunidade, e não só de mostrar nossa arte, mas de nos capacitar também! As pessoas exigem que sejamos capacitadas, mas não temos, muitas vezes, condições para isso. Precisamos de oportunidade.

ODC – Recentemente, você criou um grupo no Whatsapp e no Facebook para pessoas LGBTQI+ pertencentes ao Morro das Pedras. Qual o objetivo desse grupo e por que você viu necessidade em criá-lo?

Rhany – Eu criei esse grupo com o intuito de ser uma rede de ajuda mútua entre pessoas LGBTs e de levar ações sociais para elas, de modo que sejam assistidas por essas ações. E também para no futuro realizarmos eventos e ações LGBT na comunidade do Morro. O grupo surgiu porque recebi vários pedidos de ajuda e reclamação de que pessoas LGBTs não estavam sendo contempladas nas ações sociais realizadas, mesmo tendo perfil para serem assistidas.

ODC – Como a pandemia pelo coronavírus afeta a população LGBTQI+?

Rhany – Tem afetado de uma forma muito negativa. No andar normal da sociedade, sempre somos os últimos a conseguir emprego, moradia. Sempre temos o agravante dos vínculos familiares, que nem sempre existem ou são muito instáveis, e a pandemia trouxe um agravamento a essas situações.

Muitos LGBTs que não estavam inseridos no ciclo familiar estão tendo que voltar ao estado de vivência conflitante com os mesmos. Muitos LGBTs perderam emprego e, desde sempre – é um fato -, a pessoas LGBTs são as primeiras a serem mandadas embora em uma situação de corte. Então, essa pandemia aumentou mais ainda a dificuldade de sobreviver e a vulnerabilidade dessas pessoas.

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2 Comentários para “Entrevista: Rhany Mercês”

  1. Avatar Carlão Black disse:

    A Rhany é ótima , uma mulher muito inteligente e envolvida com sua comunidade .
    E que mulheres com a Rhany tenha chance de exercer seus ofícios com dignidade . E que sejam respeitadas .
    Parabéns! Sucesso.

  2. Avatar Carlão Black disse:

    A Rhany é ótima , uma mulher muito inteligente e envolvida com sua comunidade .
    E que mulheres com a Rhany tenha chance de exercer seus ofícios com dignidade . E que sejam respeitados .
    Parabéns! Sucesso.

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